subversão do consumismo

E foi naquela tarde de inverno, a -7 graus Celsius, um janeiro em Berlim, que, aos 19 anos, eu profanei pela primeira vez um deus não tão malvado (porque outros eu já havia exorcizado fumando maconha com papel de seda da bíblia, por exemplo). Mas como todo ser supremo, questionável —coisa que naquela época eu nem realmente sabia— e sei lá se foi por intuição, capricho ou rebeldia, o fato é que eu entrei na livraria e tive a ousadia de comprar aquela obra divina num ato de inigualável pornografia consumista e confessada. E ainda falei pra minha amiga, a Lívia, não sei se desejando, sentenciando, amaldiçoando ou simplesmente pra dizer algo engraçado, eu soltei o veneno com aquele risinho: “o Marx deve estar se retorcendo loucamente na tumba agora e vai muito puxar meu pé na cama de noite”. E, naquele momento, completamente consciente do meu ato maculado, do qual eu me lembro como se tivesse sido ontem e não há 15 anos, eu guardo nitidamente a memória daquele dia, da euforia de encontrar aquela peça que eu fazia questão de exibir na estante de alguma casa descolada onde eu algum dia moraria, eu precisava obter, ter, eu precisava com toda a força inútil e fútil do meu ser, precisava comprar aquela edição novinha, de bolso, capa dura e vermelhinha do livro que eu já tinha lido e deliberadamente não pretendia ler de novo, muito menos no alemão que eu jamais aprenderia (e olha que anos depois eu até comecei a estudar, por razões totalmente desconexas; em vão) mas que me seduzia ainda mais por se tratar do idioma original do autor, ou seja, por ser as exatas palavras dele (e do Engels tadinho, qué é tipo o Robin do Batman), imunes e isentas de qualquer eventual malversação de alguma tradução inevitavelmente imprecisa. Convicta, impune e extasiada cheguei ao caixa. E sem a necessidade de pronunciar qualquer palavra de qualquer outra língua que não fosse a dos sinais, tipo aquele gesto universal de quem vai pedir a conta no bar em qualquer lugar do mundo, naquele silêncio gritante e saltitante de euforia interna, entreguei ao proletário encarregado o símbolo-mor do capitalismo, um cartão de crédito visa internacional, e comprei finalmente o Manifest der Kommunistischen Partei.





Frauen aller Länder, vereinigt euch!